Neil é o segurança do prédio onde trabalho.
Todos os dias quando passo pela porta giratória e caminho em direção a catraca
eletrônica para scannear meu cartão, troco rápidas palavras com o homem de
terno e gravata parecido com Apolo Creed - o legendário boxeador da saga Rocky Balboa. Geralmente, nossa conversa começa mais ou menos assim:
- Hey Neil, what's up?
- Hey bro, how are you – pausa - ''Thssiago''?
Daí pra frente, nosso diálogo toma um dos três
rumos: temperatura (será que chove hoje? Como está abafado! Você viu a
tempestade ontem à noite?), futebol (Então, deu Real Madrid de novo! Qual o
nome daquele jogador Brasileiro de cabelo engraçado? Não posso esperar para ver
a próxima Copa do Mundo no Brasil…) ou as belezas verde-amarelas (Bro, meu
sonho é ver o carnaval! Bro, me fala mais das praias! Bro, você não tem uma
amiga brasileira solteira?).
Meu filosófico e diário bate-papo com Mr. Eye of the Tiger tem transcorrido
assim há mais de um ano e meio. Já pensei em introduzir um tópico novo, talvez
provocar um debate ou trazer à tona um tema polêmico, mas, não. Gosto da
frugalidade das nossas poucas dúzias de palavras e como ele fica contente
quando respondo suas intrigantes perguntas. Também desisti de tentar ensiná-lo
a maneira correta de pronunciar o meu nome. Fiz isso umas quatro vezes e parei.
Acho que na cabeça dele, o fato de eu ter abandonado as lições gratuítas de
fonética portuguesa tenha significado sua vitória (Eye of the Tiger!). Sem mais
repressões de minha parte, Neil enche o peito e, em voz alta e grave, anuncia a
minha chegada à todos que perambulam pelo lobby do prédio:
- Hey bro, how are you – pausa -
''Thssiago''?
**
Neil não é o único que me batiza e rebatiza em
Nova York. A criatividade de meus algozes é imensa e varia de acordo com a
nacionalidade do autor. Os que chegam mais perto de Thiago sugerem sons
parecidos com:
- Xiago
- Diago
Pensando bem, Neil até que se destaca pelo
esforço e, depois de quase dois anos, como é possível chegar para ele e dizer:
- Pois… então… na verdade, meu nome
é Thiago.
Bola na trave não vale gol, mas deixa muito
marmanjo alegre.
**
Agora que o outono ganha corpo, tinge os
parques da cidade em tons de amarelo, e devolve casacos e cachecóis às ruas,
renasce também a aguardada ''Pumpkin Season''. Sopa de abóbora, café au lait com essência de abóbora, pão
de abóbora, torta de abóbora. It is
pumpkin everywhere. Se minha rabujice busca entrar em erupção por saber que
depois de alguns meses vem o inverno, o frio e a neve, pensar em pumkin me conforta.
O problema é que tanto a cafeteria, quanto a
doceria onde me entrego aos deleites pumpkianos,
funcionam igual ao sistema de atendimento do Starbucks. Você entra na fila,
aponta ou diz o que deseja, e a pessoa de trás do balcão pede seu nome e te
chama quando o pedido está pronto.
No meu caso, soletrar não ajuda em nada. A
grafia sai correta, mas o nome, impressionantemente, recebe entonações
inusitadas e ganha consonantes inexistentes. Um amigo tem a análise precisa: o
problema é o ''th''. Concordo. O ''iago'' até que soa bem…
**
Desde as últimas semanas, tenho tentado algo
novo. Quando estou de passagem por algum bairro fora do meu habitat natural e
entro num Starbucks, passo a me chamar Bob. Não sei se o atendente percebe que
de Bob não tenho nada, se não um ''o'' faltando após o segundo ''b'', mas ele
declama meu codinome com tremenda nitidez. Peguei ''Bob'' emprestado de um cara
que um dia estava à minha frente na fila. Lembro que quando chegou a vez de
fazer o pedido, a moça simpática ainda brincou comigo:
- You gotta be Bob Two cause I just got a Bob!
Procurei emplacar Bob Two outras vezes e em
outros lugares, mas sempre tive o sobrenome ignorado. Imagino se teria um nome
completo caso fosse Bob One, ou Bob XVII, the Greatest…
***
Sinto inveja dos Davis que podem virar Davids,
dos Jorges que podem transformar-se em Georges e dos Eduardos que podem passar
a ser Edwards. Não há maneira de americanizar Thiago. Alguém um dia me disse
que o equivalente em inglês seria Jacob. Nunca fui atrás para ver se é verdade.
Amo meu nome e, por isso mesmo, prefiro deixar sua pronunciação para quem
entende do assunto. No entanto, se não posso ser Bob Two, renego Bob como um
todo e sigo na busca por uma nova identidade. Aceito sugestões.