Dizem que há inverno no Brasil. Grande mentira. Talvez no Sul. Perto de Chuí. Mas definitivamente não em Oiapoque. Lá, não. Nem pensar. Em São Paulo, onde nasci e cresci, também não há inverno. Isto tão pouco significa que faça apenas calor na terra da garoa. Há dias em que é preciso se agasalhar, tomar chocolate quente e buscar abrigo embaixo das cobertas. Ainda assim, não há inverno.
Em São Paulo, assim como na maioria dos estados que vem acima no mapa, há duas estações: verão e não-verão. Em alguns estados e algumas cidades, é possível ainda dividir o ano em duas temporadas: a da chuva e a da seca. Na capital paulista, em dezembro, janeiro, fevereiro e março chove até São Pedro pedir trégua. O Rio Tietê transborda, o trânsito fica mais do que caótico e milhares de pessoas perdem suas casas.
Jobim e Vinícius já cantavam “são as águas de março fechando o verão”, mas a administração pública ainda teima em culpar a mãe natureza pela falta de planejamento e estrutura, enquanto políticos aparecem com cara de espanto e surpresa em programas de TV e capas de jornais. Situação mais fácil de prever que final de novela.
Em Nova York é diferente. Aqui, sim, o ano é divido em quatro estações - e no inverno o bicho pega. Não a cobertor que esquente, nem chocolate que aqueça. O negócio é feio. Tão ruim é a situação que até os animais reclamam. Na cidade infestada por ratos, a reclamação que mais me espanta vem deles: os roedores.
Fico espantado por duas razões. Primeira. Nunca soube, nem imaginei que ratos pudessem escalar paredes. Vi alguns que são excelentes alpinistas e confesso que até desenvolvi admiração, tamanha era a determinação deles. Segunda. Ratos cantam. São desafinados, mas soltam o gogó. Outro dia, enquanto conversava com uma amiga na sala de estar, ouvi uma leve sinfonia vindo da janela.
- Pássaros cantando à noite? – perguntei intrigado.
- Hahahaha... Não são pássaros.
- Não?
- Vá perto da janela que você descobre.
Lá fui eu. Para minha alegria, encontrei um grupo de três ratos arranhando a janela e implorando por asilo (eu falei que o frio aqui é coisa séria). Os pobrezinhos gritavam, choravam, cantavam... sei lá. Não sei que fim levaram, mas a janela continuou fechada.
Se engana quem pensa que serenata de roedores é privilégio de moradores de classe baixa. Os ratos em Nova York, assim como a população local, têm estilos de vida diferentes. Alguns vivem em apartamentos luxuosos na Quinta Avenida, ou duplex (dúplices, se você sempre concorda com o dicionário) com vista para o Central Park. Claro, sem dúvida alguma, a maioria é residente do Harlem, Bronx e áreas próximas dos piers. However, eles estão por todos os lados.
Outro reduto de ninhadas são as estações de metrô. Lembro que fiquei impressionado a primeira vez que vi um roedor correndo sobre os trilhos. Hoje, não fico mais. Virou rotina. Na plataforma, aguardando pelo trem, é fácil distinguir turistas de moradores. Quem vem de fora, tira fotos ou aponta assustado para baixo. Quem vive na cidade, olha assustado para os turistas. Esta é a dinâmica da observação em Gotham City.
Na estação da rua 86, no lado leste da ilha, vive a rata mais gorda que já vi. Seu nome é Ana, de acordo com usuários daquela linha. De longe, a rata parece gata. Tão gorda que é, tem de correr para os vãos das laterais toda vez que um trem se aproxima. Seus amigos, muito mais em forma, encolhem a cabeça e escondem-se sobre os trilhos. Cada vez que Ana dá o ar da graça, é uma adrenalina só. Na plataforma, passageiros acompanham a saga da rata para não ser atropelada.
Ana tem muitos fãs. Mais de uma vez, vi pessoas dando de comer para ela. Uma senhora, certa manhã me confidenciou: “Ela adora mini-pretzels”. Enquanto sussurrava em meu ouvido, como se não quisesse compartilhar o segredo com o resto do mundo, a mulher arremessava um punhado de pequenos pretzels para a voraz roedora.
Enquanto termino este texto, uma sinfonia de assobios invade meu quarto pelas frestas da janela. Desta vezes, são pássaros. A primavera, finalmente, chegou.
Sensacional esse post Thi... muito curioso.. me fez lembra qdo estive aí em pleno verão e voltando da peça Miss saigon na Brodway passei em frente a um restaurante todo de vidro q estava fechado.. e la dentro... ratos passeando a vontade!!!
ResponderExcluirHahahaha
ExcluirQuem disse que não há fregueses quando as luzes se apagam?