O amor é cheio de mistérios. Não tem fórmula, nem receita. Desafia a
ciência e faz loucos os mais sãos. Há aqueles que se apaixonam a primeira vista
e aqueles que descobrem-se apaixonados apenas no trigésimo quarto encontro. Em
alguns casos, os opostos se atraem. Em outros, continuam mais distantes do que
nunca. Há ainda quem viva o romance de uma vida toda em uma única noite. Mas,
também, quem viva uma vida inteira de romance.
Em Nova York, o melting pot
do amor é único. No número 224 da 104th street, ele tem cheiro e sabor de molho
agridoce. Na cozinha deste restaurante, o Malaysia Grill, uma garçonete de Kuala Lumpur umedece os lábios antes de beijar o
namorado guatemalteco. Ele encaixa o rosto dela entre as mãos cheias de calos e
fecha os olhos. O que passa pela cabeça deles é indecifrável, mas deve ser algo
muito bom. Terminado o beijo, os dois sorriem. Não falam a mesma língua, mas o
idioma do amor é universal.
Sentado à mesa, assisto a cena enquanto leio um e-mail de um grande
amigo mexicano. O primeiro que fiz quando cheguei em Gotham City. Anexo à mensagem, há três fotos. Nelas, ele aparece ao
lado da gal polonesa que conheceu
durante um curso de Direito no último verão. Os dois passeiam por um parque em
México City e dividem um sorvete de morango. Fazem planos. Ela está de visita,
fica apenas poucos dias, mas pensa em se mudar para lá. Ele fala em largar tudo
e voltar para a Big Apple.
Há pouco tempo, almocei com um colega marroquino para comemorar. Sua
esposa, americana, está grávida. Já se foram quatro meses de gestação e ele
segue firme na promessa de não perguntar o sexo do bebê. Quer que seja
surpresa. Ela, não. Fez exames e sabe o que carrega no ventre, mas respeita a
decisão do marido. O enxoval da criança tem cores neutras. Na parede do quarto
recém-pintado, o berço fica abaixo de um crucifixo e ao lado de um Alcorão.
Penso em outras histórias como essa e lembro da minha primeira
professora de inglês. Canadense, mas criada no Midwest. Acho que em Indiana.
Seu marido vem de longe. Nasceu em São Petersburgo, na Rússia, e passou a adolescência tomando sol à beira do Rio Neva. Estão juntos a mais de 10 anos
e ela ainda exibe uma cova na bochecha direita toda vez que fala dele.
Na New York University, uma colega de sala apresenta o namorado
coreano na saída da aula. Ela é negra e dona de um lindo cabelo afro. Parece
uma dessas modelos de comerciais de TV mais despojados. Os dois formam o tipo
de casal que atrairia dezenas de olhares em qualquer lugar do mundo, mas não em
Gotham. Aqui, eles são apenas mais um
neste caldeirão de diversidade.
Na última semana, o Censo divulgou a mais recente pesquisa sobre o
perfil da população norte-americana. Pela primeira vez, o número de recém-nascidos
de origem negra, latina, ou asiática superou o de brancos. Os grupos considerados “minorias” respondem
por 54% da taxa de nascimento na Terra do Titio Sam. O dado tem importantes
implicações sociais, culturais e políticas. No entanto, a intensidade com que
elas vão remodelar a sociedade ainda é imprecisa.
Nova York é uma cidade-bolha. O que acontece dentro de seus limites
geográficos, nem sempre é repetido além deles. Em algumas cidades dos Estados
Unidos, racismo e preconceito ainda assombram e fazem vítimas aos montes. O
caráter de alguém ainda é baseado na cor da pele da pessoa, e a maneira como ela
é tratada pode variar, radicalmente, dependendo da sua origem.
Na Big Apple, cidade que acolheu e ainda recebe imigrantes do mundo
todo, o amor que não julga corre livre pelas ruas. A capital do mundo é um
exemplo de que o coração não distingue um turbante de um quipá, um olho mais puxado de um bem redondo e azul. O coração não
perde tempo com essas coisas. Isso são preocupações criadas pelo homem. O medo do diferente é o que afasta e separa, constrói barreiras e segrega. O amor, em sua essência, cria pontes e conecta pessoas. Na arte do imprevisto, prepara combinações inusitadas e oferece novo sabor a paladares tradicionais. Tempera a vida e deixa tudo com gosto de sobremesa.