Joel Fumaça é um cara… psicodélico. Juro que tentei buscar um
adjetivo melhor, mas não há um que defina ele com a mesma perfeição. As roupas
de Joel são psicodélicas. Seu cabelo é psicodélico. As palavras que ele usa e a
maneira como estrutura suas ideias são psicodélicas. Seu gosto musical,
adivinhem: psicodélico. E a loja de vinis usados que ele tem no Lower East Side
- a Tropicalia in Furs - é psicodélica. Joel Fumaça, ou Joel Smoke, como ele é
conhecido aqui na gringa, é pura psicodelia.
Instalada numa das vizinhas mais criativas de Manhattan, a
Tropicalia in Furs é um templo de adoração a música brasileira dos anos 60 e
70. O estilo retrô da loja e os bolachões dos Mutantes e Sergei pendurados na
parede transformam o pequeno cubículo no número 304 da 5th street em uma cápsula
do tempo. Atrás do pequeno balcão no fundo da loja, uma vitrola girando um
vinil de Jorge Ben Jor dá o toque final à nostalgia.
Sem consentimento do Itamaraty mas com suporte quase unânime de músicos
e curiosos, Joel Fumaça é considerado o embaixador da música brasileira em Nova
York. Ele é o go-to-person daqueles
que veneram o que a maioria dos bons brasileiros desprezam com tamanha aptidão.
Por sorte, aqui em Manhattan, música brasileira é sinônimo de qualidade e é assim,
apresentando acordes verde e amarelo para gente do mundo todo, que o
psicodélico dono da Tropicalia in Furs ganha a vida.
Numa tarde de sexta-feira, paro na loja para bater um papo com Joel.
Ele está com pressa. Precisa embalar alguns bolachões e mandá-los para o
Brasil. A Feira de Vinil do Rio de Janeiro acontece em alguns dias. “Quero
estar lá para trocar meu acervo de LP’s gringos por mais preciosidades
brazucas”, conta. Mas não é só isso. Fumaça desembarca no Aeroporto
Internacional Tom Jobim com mais uma missão: reencontrar músicos brasileiros
esquecidos pelo tempo.
Terras Tupiniquins é o berço de instrumentistas talentosos que tocaram em álbuns consagrados
nacionalmente e internacionalmente, mas que nunca foram capazes de emplacar as
próprias músicas. Numa época em que selos independentes eram raridade, as
gravadoras brasileiras escolhiam a dedo o que chegava ao público. Tudo aquilo
que fugia do convencional, do mainstream,
era engavetado.
O avanço tecnológico e o surgimento de mídias digitais abriram as
portas deste desconhecido mundo das sete notas e criaram um mercado único para
caçadores de raridades. EPs e LPs antes abandonados em prateleiras empoeiradas,
ganharam as ruas e se transformaram em objetos de desejo e cobiça. “Da última
vez que fui ao Brasil, me encontrei com o Paulo Bagunça da Tropa Maldita. O
cara vive recluso, mas topou falar comigo. Nem usa mais o nome Bagunça. Disse que deu muita confusão pra ele. Mesmo
assim, ele conversou comigo e gostou da ideia do filme”.
Joel Fumaça, o Indiana Jones à brasileira, está gravando um documentário
sobre estes talentos perdidos. A ideia é relançar estas músicas e criar um
arquivo do movimento psicodélico no Brasil. “O que falta no nosso país é
registro”. Joel continua e me fala uma série de músicos que já foram
entrevistados para o seu filme, mas por alguma razão o nome “Paulo Bagunça e Tropa
Maldita” continua a consumir meus neurônios e me distrai de todo o resto. Fico
ansioso para ouvir que tipo de som é esse. Não resisto e peço. “Cola o Bagunça
pra tocar”. Ele sorri.
Isso é o que Joel gosta. Gente de todo tipo visita a Tropicalia in
Furs para aprender um pouco mais sobre música brasileira. Executivos de terno,
adolescentes de skate e universitárias com Ipods. Fumaça tem um carisma sem
igual e atrai os mais variados gêneros de pessoa. Às oito da noite sua
assistente começa a fechar a loja, mas só termina por volta das onze. “O povo
vai entrando e a gente abre uma garrafa de vinho... já viu, né?”.
O paulista de Guarulhos parece satisfeito com a vida que leva. Foi
uma batalha longa, revela. Mudou para Nova York há mais de 12 anos. Trabalhou
como faxineiro, entregador de comida e engraxate. Estava no World Trade Center
no dia em que as torres gêmeas vieram abaixo. Ilustrava o sapato de um cliente
quando foi engolido por uma onda de fumaça. Saiu correndo. Deixou tudo para
trás. Escapou.
Entre um trabalho e outro, Joel secretamente alimentava o desejo de
abrir uma loja de vinis em Nova York. Um certo dia, depois de juntar dinheiro
por um bom tempo, alugou o porão de um pequeno prédio e começou a vender
bolachões. O lugar era pequeno e enchia de água em dias de chuva. Ele persistiu
e foi criando sua clientela. Quando o negócio começou a melhorar, juntou
dinheiro mais uma vez, e mudou seu quartel general para a sede atual da
Tropicalia in Furs.
Hoje, a loja é a prova de garoa e o aluguel é pago sem grandes
sacrifícios. Um dos clientes mais conhecidos é o ator Elijah Wood - o Frodo de
Senhor dos Anéis. Sempre que está em Nova York, Elijah visita Joel. Debruçado
no balcão, ele balança a cabeça e fecha os olhos. Pergunta o nome da banda que
está tocando. Pede para ver a capa do vinil. Arrisca pronunciar o nome do
grupo.
Fumaça conta que a próxima etapa é abrir uma gravadora. Parceiro ele
já tem: Elijah. Nome do selo? Ainda não. Há algumas sugestões, mas nada certo.
Quer dizer, quase isso. É que na noite anterior, Joel teve uma ideia. Um nome
engraçado, ele diz. Vai depender apenas se o seu sócio concordar. Explodindo de
curiosidade, pergunto. Ele me olha, dá um daqueles sorrisos e aponta para o próprio
cabelo. “Afrodo Records”.
*** Abaixo Joel fala sobre a origem da música brasileira.
Trilha de Abertura: Paulo Bagunça e a Tropa Maldita - Apelo
*** Abaixo Joel fala sobre a origem da música brasileira.
Trilha de Abertura: Paulo Bagunça e a Tropa Maldita - Apelo
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