- O nome da chinesa é Da Chun. Ela é tímida mesmo. As únicas
palavras que ela sabe falar são: Atlantic City, ônibus e vinte dólares. Às
vezes ela arrisca dizer “ida e volta”, mas soa estranho. Ela está aqui todos os
dias e embaixo de sol, chuva, neve... essa é trabalhadora!
Quem me apresenta a vendedora sentada dentro do minúsculo guichê é
Joe. Ele está atrás de mim na fila para tomar o ônibus clandestino que sai de
Chinatown e vai até Atlantic City, no estado de New Jersey – a Las Vegas da Costa Leste dos Estados
Unidos. São oito horas da manhã de uma quarta-feira. Joe está podre de bêbado e
luta para se manter em pé. Já me acertou com os cotovelos duas vezes e
recomeçou a cantar. Marvin Gaye. Let’s get it on.
Deslizo uma nota de dez dólares e outra de cinco pelo buraco na
parte debaixo da janela do guichê. Quero ver se Joe está certo. A atendente
aponta para as notas com o indicador e com a cabeça indica um banner no lado
direito. Em seguida, ela fala:
- - Atlantic City. Pausa. Ônibus. Pausa.
Vinte dólares.
Joe está correto. Pego mais cinco dólares da
carteira e completo o que falta. A vendedora me dá dois pedaços pequenos de
papel cheios de caracteres chineses. Um deles diz Ticket em letras vermelhas.
O segundo, Voucher. Coloco os papéis no bolso e caminho em direção a outra fila. Na
minha frente, dois estudantes italianos leem um guia para turistas em Nova
York. Na frente deles, quatro senhores porto-riquenhos conversam de braços
cruzados. A fila começa a andar e os primeiros passageiros sobem
no ônibus.
Escolho um lugar no fundo. Lado direito. Assento da janela. Joe vem cambaleando logo atrás. Ele se joga nos três últimos bancos e boceja. Em seguida, encosta a cabeça no vidro e apaga. Tem a respiração pesada.
Menos de trinta minutos depois, ele acorda e volta a cantar. Outra
música. Voz mais grave. Tom sério. Enfia a mão num bolso interno da jaqueta e saca uma garrafa pequena. Tira a tampa e inclina o corpo pra frente. Olha pra mim:
-
Quer dar um gole?
-
Não, mas valeu por oferecer.
-
Tem certeza? É uísque do bom.
-
Tenho. Valeu mesmo.
-
Então vou brindar sozinho o meu
aniversário.
Joe é o tipo de bêbado que não para de falar e é incapaz de diferenciar conversa de monólogo. Ele segue
falando. Assim, sem perguntar nada, descubro quem é o “cara” ao meu lado.
Sargento reformado Joe Zamoro. Veterano do Vietnã. Nascido na
Carolina do Norte. Separado (mas com namorada!). Dois filhos. Três na verdade.
Um nasceu a pouco tempo. Menino forte. Parecido com o avô. Tem jeito para
atleta.
Após descrever a família, ele começa a falar sobre cassinos. Viaja para Atlantic City pelo menos cinco vezes por semana.
Não é viciado em jogo. Nem tem condições para isso. Na verdade, ele vai para lá
fazer dinheiro. Joe explica.
Todo ticket de ida e volta vem acompanhado de um voucher de cinquenta
dólares para ser trocado por fichas aceitas somente no cassino. Mas, no terminal de ônibus da cidade, o
mercado negro passa o voucher adiante por até 35 dólares. Assim, quem gastou
apenas vinte dólares para pegar o ônibus, pode voltar com quinze dólares na
carteira.
Joe dificilmente volta com toda a grana. Às vezes, ele compra um
sanduíche e asinhas de frango num boteco perto do calçadão. Tem dias que prefere beber cerveja.
De qualquer modo, o negócio é lucrativo.
-
Veja só. Eu não trabalho e ganho quinze dólares. Alguns dias faço mais de uma viagem. Daí já
são 30 dólares.
Mas hoje é seu aniversário e Joe resolve tentar a sorte. Troca o
voucher por fichas e caminha até a mesa da roleta. Ascende um cigarro. Discute
com o segurança que pede para não fumar no interior do cassino. Escolhe uma cor. Empurra as fichas sobre a mesa. Faz
figas. Grita quando ganha. Abraça o segurança. Beija minha testa. Anda em
direção ao guichê e sai de lá contando as notas.
-
Agora vou comemorar.
Atravessa a porta da saída, cumprimenta um dos seguranças e sai
dando pequenos pulos pelo calçadão. Cinquenta metros à frente, encontra alguns
amigos sentados num pequeno coreto. Ele saca a pequena garrafa de alumínio e dá um longo gole. Levanta os braços e aponta para o céu. Os outros respondem o estranho gesto com aplausos enquanto começam a cantar:
- Happy Birthday to you, happy birthday to you.
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