Não
há botecos em Nova York. Esqueça a mesa na calçada, a cerveja de garrafa e o
copo americano. Aliás, de americano o copo tem apenas o apelido. O RG não
mente: brasileiro de carteirinha. Na Terra do Titio Sam, cerveja é em lata, no pint, ou no pitcher. Lembro quando resolvi colocar a nacionalidade do copo à
prova. Foi num bar perto de Wall Street, durante um happy hour com amigos.
- Excuse me, do you have an American glass?
Assim
que termino de falar a última sílaba, penso na estupidez da minha pergunta. Atrás
do balcão, o garçom levanta a sombrancelha esquerda e me olha. Ele abre um
sorriso de canto e, no melhor estilo Nova Yorkino de contar piada, dispara em
tom sarcástico:
- I don’t, but I have lots of Chinese glasses. You know…
China is taking over America.
Respondo
um “Sure” meio sem jeito e volto para a mesa. Assim como a cidade, o humor em
Nova York funciona à velocidade da luz. Ele é rápido, crú e direto.
O falso
copo americano nasceu no final da década de 40 e foi inventado pelo empresário
brasileiro Nadir Figueiredo. A incrível adaptação às peculiaridades da vida
tupiniquim, seja para tomar café ou para calcular a quantidade de ingredientes
em uma receita de bolo, deu ao copo abrangência nacional. Apesar da incontestável
fama em solo verde e amarelo, ele nunca fez sucesso no país que lhe empresta o
nome.
Sem copos
americanos, nem botecos, cabe aos pubs irlandeses oferecerem o que mais se
aproxima do nosso clássico modelo de reduto boêmio. No bairro do East Village,
ao sul da Manhattan, um destes estabelecimentos, o McSorley’s Old Ale House,
carrega o honroso título de “Irish Tavern” mais antiga de Nova York e uma vasta
coleção de histórias curiosas.
Desde
que abriu as portas em 1854, pouca coisa mudou no interior do McSorley’s. O
chão, coberto de serragem, faz o lugar parecer um antigo saloon do Velho Oeste. Nas paredes, fotografias em preto e branco e
recortes de jornais do século passado brigam por espaço. Nas mesas, clientes
falam alto, gritam e brindam. No bar, garçons correm para cima e para baixo
carregando dezenas de canecas de chope. E no alto, perto do teto para que todos
leiam, duas placas divulgam o lema do lugar: “Be Good or Be Gone" e “We were
here before you were born”.
McSorley’s
luta bravamente para manter o espírito da “Olde New York” e não esconde a
aversão aos deleites da vida moderna. O pub foi o último da linha “Men Only” a
aceitar clientes do sexo feminino. Até o ano de 1970, mulheres eram proibidas
de frequentá-lo. A situação só mudou quando duas advogadas feministas levaram o
caso à Corte Distrital e receberam parecer favorável do juiz. Ainda assim, o
bar construiria um restroom para ladies apenas 16 anos mais tarde. No
intervalo, um aviso escrito unisex colado
na porta do banheiro masculino resolveu o problema.
O pub
mais antigo de Nova York se gaba de ter uma lista de visitantes tão inusitada,
quanto diversa. Entre os ilustres, há figuras políticas como os presidentes
Abrahan Lincoln e Theodore Roosevelt, músicos como Woody Guthrie e John Lennon
e escritores como Brendan Behan e George Jean Nathan. Em 1994, o time de hockey New York Rangers resolveu comemorar o título da Stanley Cup no pub. Os jogadores levaram
a recém-ganhada taça e a encheram de cerveja. O troféu passou de mão em mão e
de boca em boca. Como represália, a Liga Nacional de Hockey (NHL) pegou a taça
de volta e só devolveu depois de alguns dias.
A
cerveja no McSorley’s é servida em canecas. Duas saem por 5 dólares e quatro por
10. Há apenas duas variedades, clara e escura, e a quantidade de colarinho
depende da pressa do garçom. O pub também serve hamburgueres, sanduíches de
presunto e queijo, e uma famosa porção de cebola crua. Assim como os lanches, a
bebida está longe de ser uma das melhores da cidade. O que motiva a visita ao
bar é muito mais a história do lugar do que qualquer outra coisa.
Debruçado
sobre o balcão enquanto espero ser atendido, percebo uma série de pequenos
amuletos amarrados a um velho lustre. Os talismãs estão cobertos por uma densa
camada de pó. Um senhor de meia-idade sentado ao meu lado nota minha cara de
supresa, ergue sua caneca e a aponta em direção aos amuletos:
- Eles pertencem a um grupo de soldados que se
reuniram aqui antes de embarcarem para a Europa durante a Primeira Guerra Mundial. Naquela noite, todos prometeram que voltariam ao McSorley’s para
recuperar os talismãs. Ainda estamos esperando o retorno de alguns deles…