quinta-feira, 5 de abril de 2012

Ratos em Nova York

Dizem que há inverno no Brasil. Grande mentira. Talvez no Sul. Perto de Chuí. Mas definitivamente não em Oiapoque. Lá, não. Nem pensar. Em São Paulo, onde nasci e cresci, também não há inverno. Isto tão pouco significa que faça apenas calor na terra da garoa. Há dias em que é preciso se agasalhar, tomar chocolate quente e buscar abrigo embaixo das cobertas. Ainda assim, não há inverno.

Em São Paulo, assim como na maioria dos estados que vem acima no mapa, há duas estações: verão e não-verão. Em alguns estados e algumas cidades, é possível ainda dividir o ano em duas temporadas: a da chuva e a da seca. Na capital paulista, em dezembro, janeiro, fevereiro e março chove até São Pedro pedir trégua. O Rio Tietê transborda, o trânsito fica mais do que caótico e milhares de pessoas perdem suas casas.

Jobim e Vinícius já cantavam “são as águas de março fechando o verão”, mas a administração pública ainda teima em culpar a mãe natureza pela falta de planejamento e estrutura, enquanto políticos aparecem com cara de espanto e surpresa em programas de TV e capas de jornais. Situação mais fácil de prever que final de novela.

Em Nova York é diferente. Aqui, sim, o ano é divido em quatro estações - e no inverno o bicho pega. Não a cobertor que esquente, nem chocolate que aqueça. O negócio é feio. Tão ruim é a situação que até os animais reclamam. Na cidade infestada por ratos, a reclamação que mais me espanta vem deles: os roedores.

Fico espantado por duas razões. Primeira. Nunca soube, nem imaginei que ratos pudessem escalar paredes.  Vi alguns que são excelentes alpinistas e confesso que até desenvolvi admiração, tamanha era a determinação deles. Segunda. Ratos cantam. São desafinados, mas soltam o gogó. Outro dia, enquanto conversava com uma amiga na sala de estar, ouvi uma leve sinfonia vindo da janela.

-       Pássaros  cantando à noite? – perguntei intrigado.
-       Hahahaha... Não são pássaros.
-       Não?
-       Vá perto da janela que você descobre.

Lá fui eu. Para minha alegria, encontrei um grupo de três ratos arranhando a janela e implorando por asilo (eu falei que o frio aqui é coisa séria). Os pobrezinhos gritavam, choravam, cantavam... sei lá. Não sei que fim levaram, mas a janela continuou fechada.

Se engana quem pensa que serenata de roedores é privilégio de moradores de classe baixa. Os ratos em Nova York, assim como a população local, têm estilos de vida diferentes. Alguns vivem em apartamentos luxuosos na Quinta Avenida, ou duplex (dúplices, se você sempre concorda com o dicionário) com vista para o Central Park. Claro, sem dúvida alguma, a maioria é residente do Harlem, Bronx e áreas próximas dos piers. However, eles estão por todos os lados.

Outro reduto de ninhadas são as estações de metrô. Lembro que fiquei impressionado a primeira vez que vi um roedor correndo sobre os trilhos. Hoje, não fico mais. Virou rotina. Na plataforma, aguardando pelo trem, é fácil distinguir turistas de moradores. Quem vem de fora, tira fotos ou aponta assustado para baixo. Quem vive na cidade, olha assustado para os turistas. Esta é a dinâmica da observação em Gotham City.

Na estação da rua 86, no lado leste da ilha, vive a rata mais gorda que já vi. Seu nome é Ana, de acordo com usuários daquela linha. De longe, a rata parece gata. Tão gorda que é, tem de correr para os vãos das laterais toda vez que um trem se aproxima. Seus amigos, muito mais em forma, encolhem a cabeça e escondem-se sobre os trilhos. Cada vez que Ana dá o ar da graça, é uma adrenalina só. Na plataforma, passageiros acompanham a saga da rata para não ser atropelada.

Ana tem muitos fãs. Mais de uma vez, vi pessoas dando de comer para ela. Uma senhora, certa manhã me confidenciou: “Ela adora mini-pretzels”. Enquanto sussurrava em meu ouvido, como se não quisesse compartilhar o segredo com o resto do mundo, a mulher arremessava um punhado de pequenos pretzels para a voraz roedora.

Enquanto termino este texto, uma sinfonia de assobios invade meu quarto pelas frestas da janela. Desta vezes, são pássaros. A primavera, finalmente, chegou. 


2 comentários:

  1. Sensacional esse post Thi... muito curioso.. me fez lembra qdo estive aí em pleno verão e voltando da peça Miss saigon na Brodway passei em frente a um restaurante todo de vidro q estava fechado.. e la dentro... ratos passeando a vontade!!!

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    1. Hahahaha

      Quem disse que não há fregueses quando as luzes se apagam?

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