sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Uma outra história sobre o Furacão Sandy


No edifício número 115 da rua Duke Ellington Boulevard, em Manhattan, o furacão Sandy não trouxe nada mais que muita chuva e ventos fortes - daqueles que assoviam bem alto. Era o ruído das rajadas, soprando impiedosamente contra as janelas, que incomodava o ouvido sensível do pequeno shihtzu no apartamento ao lado. O pobre cachorro até que aguentou bem, mas, depois de uns 40 minutos de chuva pesada, pediu arrego. Desconsolado, o animal fez a única coisa que podia e pôs-se a latir. Ele fitava o dono com olhar de misericórdia, enquanto sentava sob as patas traseiras.

O pedido de socorro teve resultado quase imediato. Não levou um minuto para Johnny se levantar do sofá e arrastar as pantufas de crochê até o elegante piano na sala de estar. Com o braço direito, ele arrastou um pequeno banco de mogno polido para perto de seu Essenfelder e girou a superfície redonda do assento até a altura dos joelhos. Com o esquerdo, ergueu a tampa que cobria o teclado e ajeitou uma pasta de couro preta cheia de partituras. Tudo pronto. Johnny tomou seu lugar e o concerto começou. Assim que as primeiras notas de Moonlight Sonata foram tocadas, Beethoven, o cachorro com nome de maestro, levantavou-se orgulhosamente sobre as quatros patas, em silêncio e reverência.  

Dois andares abaixo, a trilha sonora durante o furacão era muito diferente. No apartamento de Jill, uma estudante de arquitetura da prestigiada Columbia University, um alto-falante no máximo reproduzia os acordes distorcidos de Like a Hurricane. A voz fanha de Neil Young vazava pela fresta entre o chão e a porta, e inundava o corredor no lado de fora. Um pedaço branco de cartolina, grudado na parede com fita adesiva, recebia os convidados para a festa: “Sandy you are NOT welcome, anybody else COME ON IN!”.

Sobre uma pequena mesa de plástico na cozinha, um laptop da Apple selecionava automaticamente as músicas de uma playlist preparada especialmente para aquela noite. A lista tinha mais de 80 canções. Todas sobre furacão, chuva, tempestade, ou vento. O gênero pouco importava. Os sons variavam de clássicos do Rock como “Have You Ever Seen The Rain?”, “Riders On The Storm” e “November Rain” até sucessos mais... hum... sucessos... hã... sucessos como “It is Raining Man”. Aleluia!

Na sala, um rapaz magro como vara de cutucar estrela enchia um copo de plástico com um pouco de ponche. Atrás dele, uma senhora gorda e de tranças aguardava para se servir pela terceira vez. Eles bebiam Hurricane, um drink feito com rum, suco de frutas e maple-syrup. Apesar do alto teor alcoólico, muita gente se deixa enganar pelo sabor adocicado e não percebe quando é hora de parar. Abandonado em uma poltrona reclinável, um miserável sósia de Steven Seagal via o teto girar sobre sua cabeça.

No apartamento bem abaixo, o jovem casal que havia acabado de se mudar de Michigan dividia uma garrafa de dois litros de Coca Cola. Ele terminava de dar o último gole e voltava a pintar o rodapé do quarto, enquanto ela ajeitava um quadro torto na parede - uma imitação da Sopa de Tomate Campbell’s de Andy Warhol. Poucos minutos antes, os dois tinham relembrado a discussão que tiveram na última semana. Ela queria as paredes brancas. Ele preferia azul claro. Ela venceu, mas ainda continuava de cara fechada.

Cansada de fazer joguinho, ela terminou de arrumar a pintura e caminhou até ele. Deu um leve suspiro e o tocou carinhosamente no ombro. “Mais um pedaço de pizza?”. Ele sentiu um arrepio e, ao virar, encontrou o rosto dela lhe sorrindo. Instantaneamente, ele entendeu que “Mais um pedaço de pizza?” significava na verdade “Desculpa, vamos ficar de bem?” e que, às vezes, usamos palavras erradas para dizer o que nosso coração realmente pensa. O arrepio ainda lhe corria o corpo, quando ele sussurrou “sim” e fechou os olhos para beijá-la.

Nenhum comentário:

Postar um comentário