quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O Pub Mais Velho de Nova York


Não há botecos em Nova York. Esqueça a mesa na calçada, a cerveja de garrafa e o copo americano. Aliás, de americano o copo tem apenas o apelido. O RG não mente: brasileiro de carteirinha. Na Terra do Titio Sam, cerveja é em lata, no pint, ou no pitcher. Lembro quando resolvi colocar a nacionalidade do copo à prova. Foi num bar perto de Wall Street, durante um happy hour com amigos.
- Excuse me, do you have an American glass?
Assim que termino de falar a última sílaba, penso na estupidez da minha pergunta. Atrás do balcão, o garçom levanta a sombrancelha esquerda e me olha. Ele abre um sorriso de canto e, no melhor estilo Nova Yorkino de contar piada, dispara em tom sarcástico:
- I don’t, but I have lots of Chinese glasses. You know… China is taking over America.
Respondo um “Sure” meio sem jeito e volto para a mesa. Assim como a cidade, o humor em Nova York funciona à velocidade da luz. Ele é rápido, crú e direto.
O falso copo americano nasceu no final da década de 40 e foi inventado pelo empresário brasileiro Nadir Figueiredo. A incrível adaptação às peculiaridades da vida tupiniquim, seja para tomar café ou para calcular a quantidade de ingredientes em uma receita de bolo, deu ao copo abrangência nacional. Apesar da incontestável fama em solo verde e amarelo, ele nunca fez sucesso no país que lhe empresta o nome.   
Sem copos americanos, nem botecos, cabe aos pubs irlandeses oferecerem o que mais se aproxima do nosso clássico modelo de reduto boêmio. No bairro do East Village, ao sul da Manhattan, um destes estabelecimentos, o McSorley’s Old Ale House, carrega o honroso título de “Irish Tavern” mais antiga de Nova York e uma vasta coleção de histórias curiosas.
Desde que abriu as portas em 1854, pouca coisa mudou no interior do McSorley’s. O chão, coberto de serragem, faz o lugar parecer um antigo saloon do Velho Oeste. Nas paredes, fotografias em preto e branco e recortes de jornais do século passado brigam por espaço. Nas mesas, clientes falam alto, gritam e brindam. No bar, garçons correm para cima e para baixo carregando dezenas de canecas de chope. E no alto, perto do teto para que todos leiam, duas placas divulgam o lema do lugar: “Be Good or Be Gone" e “We were here before you were born”.
McSorley’s luta bravamente para manter o espírito da “Olde New York” e não esconde a aversão aos deleites da vida moderna. O pub foi o último da linha “Men Only” a aceitar clientes do sexo feminino. Até o ano de 1970, mulheres eram proibidas de frequentá-lo. A situação só mudou quando duas advogadas feministas levaram o caso à Corte Distrital e receberam parecer favorável do juiz. Ainda assim, o bar construiria um restroom para ladies apenas 16 anos mais tarde. No intervalo, um aviso escrito unisex colado na porta do banheiro masculino resolveu o problema.
O pub mais antigo de Nova York se gaba de ter uma lista de visitantes tão inusitada, quanto diversa. Entre os ilustres, há figuras políticas como os presidentes Abrahan Lincoln e Theodore Roosevelt, músicos como Woody Guthrie e John Lennon e escritores como Brendan Behan e George Jean Nathan. Em 1994, o time de hockey New York Rangers resolveu comemorar o título da Stanley Cup no pub. Os jogadores levaram a recém-ganhada taça e a encheram de cerveja. O troféu passou de mão em mão e de boca em boca. Como represália, a Liga Nacional de Hockey (NHL) pegou a taça de volta e só devolveu depois de alguns dias.
A cerveja no McSorley’s é servida em canecas. Duas saem por 5 dólares e quatro por 10. Há apenas duas variedades, clara e escura, e a quantidade de colarinho depende da pressa do garçom. O pub também serve hamburgueres, sanduíches de presunto e queijo, e uma famosa porção de cebola crua. Assim como os lanches, a bebida está longe de ser uma das melhores da cidade. O que motiva a visita ao bar é muito mais a história do lugar do que qualquer outra coisa.
Debruçado sobre o balcão enquanto espero ser atendido, percebo uma série de pequenos amuletos amarrados a um velho lustre. Os talismãs estão cobertos por uma densa camada de pó. Um senhor de meia-idade sentado ao meu lado nota minha cara de supresa, ergue sua caneca e a aponta em direção aos amuletos:
- Eles pertencem a um grupo de soldados que se reuniram aqui antes de embarcarem para a Europa durante a Primeira Guerra Mundial. Naquela noite, todos prometeram que voltariam ao McSorley’s para recuperar os talismãs. Ainda estamos esperando o retorno de alguns deles…  

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O Metrô de Nova York


Outro dia recebi uma mensagem de um amigo no Facebook. Não nos falávamos desde que ele havia voltado de Nova York para o interior de São Paulo, há quase um ano. Após colocar a conversa em dia, ele escreveu em tom de confissão:

“PS: Acredite ou não, uma das coisas que sinto falta de NYC é andar de metrô e trem, era tão prático e olha que eu tenho uma moto e moro em uma cidade de 100 mil habitantes, ou seja, um ovo...”

Sou paulistano e da zona leste. Trabalhei e estudei do outro lado da cidade, assim como muitos dos meus amigos fazem ainda hoje. Pegar metrô e ônibus para atravessar São Paulo era parte do dia a dia. Na Linha Vermelha do Metrô - a que leva os Corinthianos de Itaquera ao encontro dos Palmeirenses da Barra Funda, ou vice-versa – já vi e conheci muita gente. Com segurança, posso afirmar que a maioria não sente o mínimo de vontade, ou saudade, de andar de transporte público.

O que faz o metrô de Nova York especial?

Antes de responder a pergunta, quero começar pelas coisas que fazem do metrô de Nova York um lugar detestável. Primeiro, a sujeira das estações e a imundice que se acumula entre os trilhos. Segundo, a ousadia dos ratos que dominam o underground de Gotham City e não se intimidam com a presença de homo sapiens (Há meses escrevi um texto chamado Ratos em Nova York, em alusão à imensa quantidade de esnobes roedores na cidade. Nota de Rodapé aos que perguntaram: Ana, a rata rechonchuda, anda muito bem). Terceiro, o sistema de ventilação das plataformas é horrível. Sabe aquela névoa branca que escapa, romanticamente, de bueiros e cones em diversos filmes e séries de TV? Ela é ar quente vindo das estações de metrô, ou do esgoto. Milhares de pessoas são cozinhadas diariamente enquanto Hollywood e turistas vão às farras com a fumaça.

Se você acha que consegue lidar com os problemas acima, o subway de Nova York está a sua espera. A primeira coisa a fazer é comprar um MetroCard, o bilhete que dá acesso ao metrô, em uma das centenas de máquinas automáticas espalhadas pelas estações. Uma passagem sai por 2 dólares e 50 centavos. Se você pretende ficar uma semana, a melhor opção é pagar 29 dólares e ter um bilhete ilimitado por 7 dias. Com 104 dólares, o cartão com passagens ilimitadas dura um mês.

As linhas do Metrô cobrem grande parte da cidade e é muito provável que você consiga conhecer toda Nova York sem precisar usar outro meio de transporte. Exceto, talvez, pelas charretes que circulam dentro do Central Park. Além disso, os trens funcionam 24 horas. Durante à noite, o intervalo entre um trem e próximo aumenta consideravelmente - às vezes ultrapassando 30 minutos - mas uma hora o bendito aparece. A segurança nas plataformas e dentro das vagões é impressionante. O que me surpreende é a falta de bom senso de algumas pessoas. Contar notas de cinquenta dólares com uma mão enquanto a outra segura três sacolas cheias de compras, dentro de um trem lotado, é jogar contra a sorte.

Eficiência. Confiança. Segurança. Apenas os três critérios anteriores já seriam suficientes para deixar o Metrô de Maluf, Pitta, Marta Suplicy, José Serra e Kassab no chinelo (em respeito a nossa curta memória política, esta retrospectiva se limita aos prefeitos deste milênio). Mas isso ainda não é o que faz o metrô de Nova York único.

A magia do que acontece debaixo das streets de Gotham City se deve a sensação de falta de rotina. Cada dia há algo novo para se ver, ou ouvir. A imprevisibilidade é o charme do Metrô de Nova York. Ela é a visita de animados cantores mariachis, ou a apresentação de um grupo de jovens dançarinos de break dentro do seu vagão. Ela é o rastafári arrumando os longos dreads antes de sentar-se, ou o casal de idosos conversando em alguma língua estranha. Ela é o velho saxofonista tocando do outro lado da plataforma, ou a garota dedilhando uns acordes e cantando Sheryl Crown no pé da escada.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A Vista Mais Bonita da Cidade


Curiosamente, a vista mais bonita de Nova York não aparece em cartões-postais ou guias de viagem. Quem usa e usufrui dela é quem mora por aqui. Turistas, meros mortais, estão praticamente de fora. Uma coisa que o nova yorkino sabe fazer muito bem é ficar de boca fechada – quando quer e lhe convém, claro. Assim, o maior deslumbre visual de Gotham City segue apreciado apenas por poucos. É como um quadro de Picasso decorando a sala de jantar de uma mansão ao sul da França. Quem é parente, ou amigo do dono, pode ver a pintura. Quem não é, au revoir. Ou na língua do gênio do pincel: hasta la vista.

Para sorte dos desafortunados, o acesso para poder ver a melhor paisagem da cidade não custa nada. Tampouco é necessário tomar elevadores que atravessam mais de oitenta andares em um minuto, ou ser o octogésimo numa fila que parece durar a eternidade. O único requisito é caminhar pelo Central Parque até a altura da rua 85 e alcançar o Reservoir Jacqueline Kennedy Onassis.

A ex-primeira-dama mais elegante dos Estados Unidos vivia a menos de um quarteirão do antigo reservatório de água e costumava desfilar as torneadas pernas por lá durante sessões de jogging. Ainda hoje, centenas de pessoas dividem a pista de corrida ao redor do reservoir numa simples quarta-feira. O percurso de 2,5 km atrai atletas de todas categorias e idades. Nos meses de primavera e verão, cerejeiras pintam de vermelho as árvores que acompanham o trajeto. No outono, folhas caídas criam um tapete amarelo. No inverno, quando a neve é forte, o lago congela e tudo fica branco. O Reservoir Jacqueline Kennedy Onassis, por si só, é uma atração incrível. Mas o melhor ainda está por vir.  

O retrato número um de Nova York é visto à beira do reservoir e durante o cair da noite. O acesso mais fácil é pela rua 96 e pelo lado leste de Manhattan. Naquela região, o reservatório termina e começa a contornar para oeste. Após a ligeira curva, vem a surpresa. Para quem olha em direção ao sul da ilha, o horizonte é preenchido com os skyscrapers de Midtown. Empire State Building e Chrysler Building reinam sobre um conglomerado de prédios gigantescos. Ao fundo, o imponente Freedom Tower - erguido no lugar onde ficavam as torres do World Trade Center - deixa claro porque é o edifício mais alto de Gotham.

Como se não bastasse, o visitante que optar por dar uma volta completa ao redor do reservoir ganha ainda um bônus. Caminhando em paralelo ao lado oeste é possível ver o sol se despedindo de trás dos chiquérrimos apartamentos da Quinta, Madison e Park Avenue. Do lado leste, a vista é da lua pousando elegantemente sobre as majestosas torres do prédio Eldorado, atual ou antiga residência de Alec Baldwin, Moby e Michael J. Fox.  

Prepare a câmera fotográfica e divirta-se.