segunda-feira, 14 de maio de 2012

Mendigos e Cassinos

- O nome da chinesa é Da Chun. Ela é tímida mesmo. As únicas palavras que ela sabe falar são: Atlantic City, ônibus e vinte dólares. Às vezes ela arrisca dizer “ida e volta”, mas soa estranho. Ela está aqui todos os dias e embaixo de sol, chuva, neve... essa é trabalhadora!

Quem me apresenta a vendedora sentada dentro do minúsculo guichê é Joe. Ele está atrás de mim na fila para tomar o ônibus clandestino que sai de Chinatown e vai até Atlantic City, no estado de New Jersey – a Las Vegas da Costa Leste dos Estados Unidos. São oito horas da manhã de uma quarta-feira. Joe está podre de bêbado e luta para se manter em pé. Já me acertou com os cotovelos duas vezes e recomeçou a cantar. Marvin Gaye. Let’s get it on.

Deslizo uma nota de dez dólares e outra de cinco pelo buraco na parte debaixo da janela do guichê. Quero ver se Joe está certo. A atendente aponta para as notas com o indicador e com a cabeça indica um banner no lado direito. Em seguida, ela fala:

-       - Atlantic City. Pausa. Ônibus. Pausa. Vinte dólares.

Joe está correto. Pego mais cinco dólares da carteira e completo o que falta. A vendedora me dá dois pedaços pequenos de papel cheios de caracteres chineses. Um deles diz Ticket em letras vermelhas. O segundo, Voucher. Coloco os papéis no bolso e caminho em direção a outra fila. Na minha frente, dois estudantes italianos leem um guia para turistas em Nova York. Na frente deles, quatro senhores porto-riquenhos conversam de braços cruzados. A fila começa a andar e os primeiros passageiros sobem no ônibus.

Escolho um lugar no fundo. Lado direito. Assento da janela. Joe vem cambaleando logo atrás. Ele se joga nos três últimos bancos e boceja. Em seguida, encosta a cabeça no vidro e apaga. Tem a respiração pesada.

Menos de trinta minutos depois, ele acorda e volta a cantar. Outra música. Voz mais grave. Tom sério. Enfia a mão num bolso interno da jaqueta e saca uma garrafa pequena. Tira a tampa e inclina o corpo pra frente. Olha pra mim:

-       Quer dar um gole?
-       Não, mas valeu por oferecer.
-       Tem certeza? É uísque do bom.
-       Tenho. Valeu mesmo.
-       Então vou brindar sozinho o meu aniversário.

Joe é o tipo de bêbado que não para de falar e é incapaz de diferenciar conversa de monólogo. Ele segue falando. Assim, sem perguntar nada, descubro quem é o “cara” ao meu lado.

Sargento reformado Joe Zamoro. Veterano do Vietnã. Nascido na Carolina do Norte. Separado (mas com namorada!). Dois filhos. Três na verdade. Um nasceu a pouco tempo. Menino forte. Parecido com o avô. Tem jeito para atleta.

Após descrever a família, ele começa a falar sobre cassinos. Viaja para Atlantic City pelo menos cinco vezes por semana. Não é viciado em jogo. Nem tem condições para isso. Na verdade, ele vai para lá fazer dinheiro. Joe explica.

Todo ticket de ida e volta vem acompanhado de um voucher de cinquenta dólares para ser trocado por fichas aceitas somente no cassino. Mas, no terminal de ônibus da cidade, o mercado negro passa o voucher adiante por até 35 dólares. Assim, quem gastou apenas vinte dólares para pegar o ônibus, pode voltar com quinze dólares na carteira.

Joe dificilmente volta com toda a grana. Às vezes, ele compra um sanduíche e asinhas de frango num boteco perto do calçadão. Tem dias que prefere beber cerveja.
De qualquer modo, o negócio é lucrativo.

-       Veja só. Eu não trabalho e ganho quinze dólares. Alguns dias faço mais de uma viagem. Daí já são 30 dólares.

Mas hoje é seu aniversário e Joe resolve tentar a sorte. Troca o voucher por fichas e caminha até a mesa da roleta. Ascende um cigarro. Discute com o segurança que pede para não fumar no interior do cassino.  Escolhe uma cor. Empurra as fichas sobre a mesa. Faz figas. Grita quando ganha. Abraça o segurança. Beija minha testa. Anda em direção ao guichê e sai de lá contando as notas.

-       Agora vou comemorar.

Atravessa a porta da saída, cumprimenta um dos seguranças e sai dando pequenos pulos pelo calçadão. Cinquenta metros à frente, encontra alguns amigos sentados num pequeno coreto. Ele saca a pequena garrafa de alumínio e dá um longo gole. Levanta os braços e aponta para o céu. Os outros respondem o estranho gesto com aplausos enquanto começam a cantar:

- Happy Birthday to you, happy birthday to you.

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