terça-feira, 1 de maio de 2012

Psicodelia Brasileira na Terra do Tio Sam

Joel Fumaça é um cara… psicodélico. Juro que tentei buscar um adjetivo melhor, mas não há um que defina ele com a mesma perfeição. As roupas de Joel são psicodélicas. Seu cabelo é psicodélico. As palavras que ele usa e a maneira como estrutura suas ideias são psicodélicas. Seu gosto musical, adivinhem: psicodélico. E a loja de vinis usados que ele tem no Lower East Side - a Tropicalia in Furs - é psicodélica. Joel Fumaça, ou Joel Smoke, como ele é conhecido aqui na gringa, é pura psicodelia.

Instalada numa das vizinhas mais criativas de Manhattan, a Tropicalia in Furs é um templo de adoração a música brasileira dos anos 60 e 70. O estilo retrô da loja e os bolachões dos Mutantes e Sergei pendurados na parede transformam o pequeno cubículo no número 304 da 5th street em uma cápsula do tempo. Atrás do pequeno balcão no fundo da loja, uma vitrola girando um vinil de Jorge Ben Jor dá o toque final à nostalgia.

Sem consentimento do Itamaraty mas com suporte quase unânime de músicos e curiosos, Joel Fumaça é considerado o embaixador da música brasileira em Nova York. Ele é o go-to-person daqueles que veneram o que a maioria dos bons brasileiros desprezam com tamanha aptidão. Por sorte, aqui em Manhattan, música brasileira é sinônimo de qualidade e é assim, apresentando acordes verde e amarelo para gente do mundo todo, que o psicodélico dono da Tropicalia in Furs ganha a vida.

Numa tarde de sexta-feira, paro na loja para bater um papo com Joel. Ele está com pressa. Precisa embalar alguns bolachões e mandá-los para o Brasil. A Feira de Vinil do Rio de Janeiro acontece em alguns dias. “Quero estar lá para trocar meu acervo de LP’s gringos por mais preciosidades brazucas”, conta. Mas não é só isso. Fumaça desembarca no Aeroporto Internacional Tom Jobim com mais uma missão: reencontrar músicos brasileiros esquecidos pelo tempo.

Terras Tupiniquins é o berço de instrumentistas talentosos que tocaram em álbuns consagrados nacionalmente e internacionalmente, mas que nunca foram capazes de emplacar as próprias músicas. Numa época em que selos independentes eram raridade, as gravadoras brasileiras escolhiam a dedo o que chegava ao público. Tudo aquilo que fugia do convencional, do mainstream, era engavetado.

O avanço tecnológico e o surgimento de mídias digitais abriram as portas deste desconhecido mundo das sete notas e criaram um mercado único para caçadores de raridades. EPs e LPs antes abandonados em prateleiras empoeiradas, ganharam as ruas e se transformaram em objetos de desejo e cobiça. “Da última vez que fui ao Brasil, me encontrei com o Paulo Bagunça da Tropa Maldita. O cara vive recluso, mas topou falar comigo. Nem usa mais o nome Bagunça.  Disse que deu muita confusão pra ele. Mesmo assim, ele conversou comigo e gostou da ideia do filme”.

Joel Fumaça, o Indiana Jones à brasileira, está gravando um documentário sobre estes talentos perdidos. A ideia é relançar estas músicas e criar um arquivo do movimento psicodélico no Brasil. “O que falta no nosso país é registro”. Joel continua e me fala uma série de músicos que já foram entrevistados para o seu filme, mas por alguma razão o nome “Paulo Bagunça e Tropa Maldita” continua a consumir meus neurônios e me distrai de todo o resto. Fico ansioso para ouvir que tipo de som é esse. Não resisto e peço. “Cola o Bagunça pra tocar”. Ele sorri.           

Isso é o que Joel gosta. Gente de todo tipo visita a Tropicalia in Furs para aprender um pouco mais sobre música brasileira. Executivos de terno, adolescentes de skate e universitárias com Ipods. Fumaça tem um carisma sem igual e atrai os mais variados gêneros de pessoa. Às oito da noite sua assistente começa a fechar a loja, mas só termina por volta das onze. “O povo vai entrando e a gente abre uma garrafa de vinho... já viu, né?”.

O paulista de Guarulhos parece satisfeito com a vida que leva. Foi uma batalha longa, revela. Mudou para Nova York há mais de 12 anos. Trabalhou como faxineiro, entregador de comida e engraxate. Estava no World Trade Center no dia em que as torres gêmeas vieram abaixo. Ilustrava o sapato de um cliente quando foi engolido por uma onda de fumaça. Saiu correndo. Deixou tudo para trás. Escapou.

Entre um trabalho e outro, Joel secretamente alimentava o desejo de abrir uma loja de vinis em Nova York. Um certo dia, depois de juntar dinheiro por um bom tempo, alugou o porão de um pequeno prédio e começou a vender bolachões. O lugar era pequeno e enchia de água em dias de chuva. Ele persistiu e foi criando sua clientela. Quando o negócio começou a melhorar, juntou dinheiro mais uma vez, e mudou seu quartel general para a sede atual da Tropicalia in Furs.

Hoje, a loja é a prova de garoa e o aluguel é pago sem grandes sacrifícios. Um dos clientes mais conhecidos é o ator Elijah Wood - o Frodo de Senhor dos Anéis. Sempre que está em Nova York, Elijah visita Joel. Debruçado no balcão, ele balança a cabeça e fecha os olhos. Pergunta o nome da banda que está tocando. Pede para ver a capa do vinil. Arrisca pronunciar o nome do grupo.

Fumaça conta que a próxima etapa é abrir uma gravadora. Parceiro ele já tem: Elijah. Nome do selo? Ainda não. Há algumas sugestões, mas nada certo. Quer dizer, quase isso. É que na noite anterior, Joel teve uma ideia. Um nome engraçado, ele diz. Vai depender apenas se o seu sócio concordar. Explodindo de curiosidade, pergunto. Ele me olha, dá um daqueles sorrisos e aponta para o próprio cabelo. “Afrodo Records”.


*** Abaixo Joel fala sobre a origem da música brasileira.
Trilha de Abertura: Paulo Bagunça e a Tropa Maldita - Apelo


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